Neste artigo, vamos descobrir alguns dos “heterónimos de Fernando Pessoa que, apesar de importantes na sua obra, são menos conhecidos ao grande público. Procuramos, desta forma, indicar e introduzir brevemente uma parte relevante da escrita de Pessoa, mergulhando na fascinante e enigmática pluralidade deste autor universal.

Como é sabido, Fernando Pessoa é um autor muito peculiar na história da literatura mundial, porque, para além de ter escrito uma obra genial sob o seu próprio nome, criou todo um grupo de escritores ou autores fictícios, amigos imaginários e alter-egos, chamados heterónimos, que são por sua vez autores de obras literárias, poéticas e filosóficas.

Já em 1928 Pessoa informava o ambiente intelectual português de que a sua obra se dividia em ortónima (de autoria de Fernando Pessoa, ele mesmo) e heterónima, recusando a categoria de mero “pseudónimo” para estas suas complexas personagens-escritores. Em 1935, na chamada “Carta sobre a génese dos heterónimos”, direcionada a Casais Monteiro, Pessoa aprofundava alguns pormenores sobre as personalidades dos heterónimos até então conhecidos do público, explicando os estilos literários e os enredos daquela coterie imaginária, que ele chamou o «drama em gente».

Os heterónimos mais conhecidos são aqueles que Pessoa apresentou ainda durante a sua vida, publicando algumas suas obras, e são os mais estruturados. Eles são os poetas Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, mais Bernardo Soares, o semi-heterónimo (porque mais parecido com o estilo de Pessoa ortónimo), autor do Livro do Desassossego. Estes autores fictícios têm biografias, uma obra bastante vasta, uma individualização bastante desenvolvida, um papel estruturado no «drama». Menos conhecido, mas já com uma fama literária considerável, é o Barão de Teive, autor do diário «A Educação do Estóico», que já mencionámos num anterior post deste blogue.

Para além destas famosas figuras, nem todos os leitores sabem que Pessoa criou ou esboçou mais heterónimos, ou quase-heterónimos, pré-heterónimo, etc., enfim, autores fictícios, como os definem os académicos Jerónimo Pizarro e Patricio Ferrari. Tratam-se de dezenas e dezenas de figuras, muitas das quais desconhecidas ao grande público, para um total de… 136 autores fictícios! Tal é o número ao qual chegaram os dois referidos investigadores, após as suas pesquisas no espólio de Pessoa, que deram como resultado o livro Eu sou uma Antologia – 136 Autores Fictícios, em que encontramos, para cada um dos “heterónimos” (no sentido lato de autores fictícios), uma nota introdutória dos editores, alguns textos e a assinatura.

Eis então, aqui descritos, cinco autores fictícios menos conhecidos, que todos os leitores pessoanos deviam conhecer:

1) Maria José

im, Pessoa tinha um “heterónimo” mulher. Aliás, vários, mas Maria José possivelmente é a mais relevante máscara feminina do drama pessoano, sendo, além disso e provavelmente, o último autor fictício criado por Pessoa durante a sua vida. Ela é uma corcunda de dezenove anos, que escreve um único texto, a «Carta da Corcunda para o Serralheiro», dedicada a um senhor António, que costuma passar sob a janela da própria Maria José. Esta, que para além de ser corcunda descreve-se como doente, dedica àquele um texto que nunca será entregue, cheio da impossibilidade do seu relacionamento com o próprio serralheiro. A «Carta» teve várias representações teatrais e vídeo, uma delas realizada por Luísa Monteiro e Ana Tavares.

«… e enfim porque lhe estou eu a escrever se lhe não vou mandar esta carta?» – Maria José

2) Alexander Search

A biografia de Alexander Search diz que ele nasceu em Lisboa no mesmo dia de Fernando Pessoa, a 13 de junho de 1888. Apesar de alfacinha, tem um nome inglês, língua na qual escreve uma parte considerável da sua obra, maioritariamente poética. É um dos autores fictícios mais prolíficos do universo pessoano, no qual tem um papel relevante durante a juventude de Pessoa, entre 1906 e 1911. É, além disso, um dos “heterónimos” para os quais Pessoa produziu cartões de visita. Interessa-se por filosofia, psicologia e política, tal como consta das suas assinaturas como “proprietário” de alguns livros da Biblioteca particular de Fernando Pessoa. Em 2016, o cantor Salvador Sobral e o pianista Júlio Resende, ambos portugueses, fundam uma banda pop-rock denominada «Alexander Search», sendo este um projeto musical fortemente inspirado pela obra pessoana.

«I often think that is is not thoughts which are too deep for tears, but tears which are too deep for thoughts.» – Alexander Search.

3) António Mora

António Mora é o filósofo da coterie pessoana. Referido ainda durante a vida de Pessoa num texto de Álvaro de Campos, Mora é o pensador que tem como missão a de explicitar, na linguagem racionalizante da filosofia, o «paganismo» implícito na poesia de Alberto Caeiro. A sua escrita por vezes confunde-se com aquela de outro pagão, e seu conhecido, Ricardo Reis. Mora é sobretudo um filósofo da religião, que analisa a decadência do Cristianismo e defende um regresso à mentalidade, à cultura e à religiosidade da Grécia Antiga, na sociedade contemporânea. Além disso, é protagonista de um conto, intitulado «Na Casa de Saúde de Cascais». É uma figura muito prolífica e uma das obras que Pessoa lhe entrega é o tratado intitulado O Regresso dos Deuses.

«Tão certo é que todos os caminhos levam à verdade, se nunca esquecemos que é para a verdade que queremos ir!» – António Mora

4) Vicente Guedes

Vicente Guedes foi o segundo de três autores do Livro do Desassossego, após Fernando Pessoa e antes de Bernardo Soares. Também escreveu contos e poemas, tendo aparecido provavelmente em 1909 na escrita pessoana. É um autor prolífico e polifacetado e sua “fase” do Livro do Desassossego, que vai de meados da década de 1910 até cerca de 1920, foi descrita como a mais decadente e diarística. Em 2014, o escritor Ricardo Belo de Morais produziu e publicou uma biografia sui generis de Pessoa, intitulada O Quarto Alugado e cujo “autor” é… Vicente Guedes.

«Para Vicente Guedes ter consciência de si foi uma arte e uma moral; sonhar foi uma religião.» – Fernando Pessoa

5) Raphael Baldaya

Astrólogo, pensador, ocultista, Raphael Baldaya chegou a ser, para além de autor de uma série de obras pessoanas em prosa como «Tratado de Astrologia», «Tratado da Negação» e «Princípios de Metafísica Esotérica», uma espécie de projeto empresarial de Pessoa, já que este quis propor este nome como o de um astrólogo que respondia a consultas públicas e por correspondência. Com efeito, Pessoa era astrólogo e terá pensado em ganhar algum dinheiro atrás da máscara de Baldaya. Este é, possivelmente, a personagem literária que mais representa o lado ocultista de Pessoa. Aparece na escrita deste por volta de 1915, quando o futuro autor da Mensagem lia e traduzia livros da Sociedade Teosófica, uma organização internacional de ocultistas.

«O Mundo é formado por duas ordens de forças: as forças que afirmam e as forças que negam.» – Raphael Baldaya

Algumas das imagens provêm do espólio de Fernando Pessoa e dos seus arquivos, guardados na Biblioteca Nacional de Portugal e na Casa Fernando Pessoa.

Fabrizio Boscaglia

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