O ano de 1922 marca o início da colaboração de Fernando Pessoa com Contemporânea, uma das mais importantes revistas literárias e culturais do Modernismo em Portugal. A colaboração do escritor na revista durará até ao último ano de existência dela, 1926. É na própria Contemporânea que Pessoa publica, pela primeira vez, um dos seus poemas que se tornarão mais famosos durante as décadas seguintes. Trata-se de «Mar Português», que virá posteriormente a integrar, como outros poemas publicados na mesma revista, o livro Mensagem, em 1934. Além disso, em 1922 ano Pessoa continuo as atividades da editora Olisipo, por ele fundada. Sem esquecer deste último assunto, neste artigo, apresentamos sobretudo uma panorâmica introdutória sobre a participação de Pessoa na Contemporânea, dada a importância desta revista na publicação de algumas importantes obras do escritor lisboeta.

Pessoa e a Contemporânea

O fundador da Contemporânea foi o arquiteto José Pacheco (1885-1934), que tinha sido o autor da capa do primeiro número da revista Orpheu, liderada por Pessoa em 1915. Da Contemporânea, aliás, já tinha sido publicado um número espécime no próprio ano de 1915, mas é em 1922 que sai o primeiro número desta revista. Entre 1922 e 1923, o editor da Contemporânea foi o empresário algarvio Agostinho Fernandes. Esta revista teve ainda números em 1924, 1925 e 1926. Pessoa colaborou, com um total de treze publicações em prosa e em versos, nos anos de 1922, 1923 e 1926.

Capa do 1º número de Contemporânea (1922), por Almada Negreiros

No que respeita à proposta estética da revista, na qual colaboraram outras figuras relevantes da literatura e da arte portuguesa no século XX, como por exemplo António Ferro e Almada Negreiros, eis o que afirma o investigador Ricardo Marques, especialista no estudo das revistas do Modernismo em Portugal:

«Contemporânea foi uma revista que pretendeu ser contemporânea de si mesma. No artigo de abertura, uma carta aberta “a um esteta”, há um curioso passo que define a direção pretendida e explica em grande parte o título escolhido: é uma revista, não de futuristas, epíteto negativo sobretudo para a geração que este “esteta” representava, mas de “contemporâneos”, jovens do seu tempo, que queriam promover Portugal.»

Contemporânea, n.º 1 (1922)

O texto com o qual Fernando Pessoa começa a colaborar com Contemporânea é uma prosa ortónima. Trata-se de um conto datado de janeiro de 1922 e intitulado «O Banqueiro Anarquista», publicado logo no primeiro número da revista, em maio do mesmo ano.

O último texto de Pessoa publicado na revista, nomeadamente no último número de 1926, será «Rubaiyat», um conjunto de três poemas ortónimos, escritos em homenagem e à maneira das quadras (em árabe, rubāʿiyāt) do poeta persa medieval Omar Khayyam, uma das grandes paixões intelectuais de Pessoa.

Contemporânea, n.º 3 (1926)

Ainda no que respeita a Fernando Pessoa ortónimo, isto é, ele-próprio, assinalem-se ainda, entre outros textos, um poema dedicado ao «Natal» em 1922, e um poema em inglês, «Spell», publicado no n.º 9 de Contemporânea, em março de 1923. Já a partir destas referências, percebe-se a variedade de estilos, línguas e sensibilidades que Pessoa deixou manifestar-se nesta revista.

Contemporânea, n.º9 (1923)

Quanto à escrita heterónima de Pessoa, na Contemporânea publicou vários textos o heterónimo cosmopolita Álvaro de Campos, “autor” nomeadamente dos dois poemas (diferentes) que têm (quase) o mesmo título, «Lisbon Revisited», publicados em 1923 e 1926.

Sem dúvida, Contemporânea constituiu um dos grande veículos culturais da primeira geração de modernistas em Portugal, hospedando algumas entre as mais lidas e estudadas obras de Pessoa. É ainda o caso, entre outros, do conjunto de doze poemas intitulado «Mar Português», pelo qual Pessoa publica em 1922 vários poemas, alguns dos quais foram publicados em várias versões ao longo da vida do escritor, e onze dos quais irão integrar o livro Mensagem em 1934.

Contemporânea, n.º 4 (1922)

Nesta publicação de 1922, lemos algumas das frases/versos mais conhecidos e universais de Pessoa, como «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce» (no poema «O Infante») e «Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena» (no poema «Mar Português»).

Pessoa editor e empreendedor

O ano de 1922 marca a continuação dos trabalhos da editora (e empresa) Olisipo, que Pessoa tinha fundado em 1921 e pela qual tinha publicado, naquele primeiro ano de atividades, os livros English Poems I-II e III (do próprio Fernando Pessoa) assim como A Invenção do Dia Claro (de Almada Negreiros).

Em 1922, é a vez da reedição de Canções, livro do poeta António Botto, cuja primeira edição data de 1921 e cujos versos de conteúdo homoerótico causarão polémicas em Portugal em 1923. Sobre este mesmo autor, Fernando Pessoa escreve no mesmo ano o ensaio «António Botto e o Ideal Estético em Portugal», publicado no n.º 3 da revista Contemporânea.

A. Botto, Canções (2ª ed., 1922) e Contemporânea, n.º 3 (1922)

Em 1922, a própria Olisipo muda-se, da Rua da Assunção (a mesma rua onde, alguns meses antes, Pessoa tinha conhecido a sua namorada Ofélia Queirós) para a Rua de São Julião n.º 52, «convenientemente localizada», conforme informa o biógrafo pessoano Richard Zenith, «a dois quarteirões do Café Martinho da Arcada, que se tornara o centro da vida social do escritor»1.

Naquele período, Pessoa, que constantemente procurava aquela estabilidade financeira que as letras não lhe garantiam, projetava outras ambiciosas iniciativas empresariais, que nunca chegaram a concretizar-se. Uma certa tendência ao isolamento e a não comunicar eficazmente com possíveis sócios terá contribuído para os seus fracassos empresariais. «Somente por uma vez, e na ficção, Pessoa se mostrou um homem de negócios bem-sucedido», escreve Zenith. Está, o biógrafo, a falar do já mencionado conto «O Banqueiro Anarquista»2, história ficcional de um banqueiro riquíssimo, algo muito distante do que Pessoa foi, do ponto de vista financeiro, na sua vida material.

Fabrizio Boscaglia

Notas:
(1) Richard Zenith, Pessoa: uma biografia, Lisboa, Quetzal, 2022, p. 706.
(2) Ibid., p. 708.
As imagens e os textos da revista Contemporânea são livremente consultáveis no site Revistas de Ideias e Cultura da Universidade Nova de Lisboa: http://ric.slhi.pt/Contemporanea

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