Neste artigo, propomos a leitura de dez frases do Livro do Desassossego, a obra em prosa mais lida de Fernando Pessoa. Publicado por trechos aparentemente não ordenados a partir do texto «Na floresta do alheamento» (na revista A Águia, 1913), o Livro do Desassossego é o diário de um autor que são três, porque Pessoa “entregou” ou atribuiu a escrita desta obra e três diferentes “autores”: a ele próprio, isto é, Fernando Pessoa ortónimo, numa primeira fase; ao escritor fictício Vicente Guedes, numa fase sucessiva; finalmente, ao semi-heterónimo Bernardo Soares, «ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa», na fase provavelmente mais conhecida da escrita do livro, a partir de 1928.

Apenas parcialmente publicado através de poucos trechos dispersos em revistas literárias durante a vida de Pessoa, o Livro do Desassossego chegou a ser publicado numa versão extensa só em 1982, pela editora Ática, com organização e prefácio de Jacinto do Prado Coelho, e recolha e transcrição dos textos por Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Até à data, várias outras edições foram publicadas, cada uma trazendo novidades de seleção, fixação e organização dos textos.

As edições e versões que consultámos para a presente publicação são principalmente o espólio de Fernando Pessoa na Biblioteca Nacional de Portugal (do qual mostramos uma imagem, v. infra), o Arquivo Digital do Livro do Desassossego (Universidade de Coimbra), a edição de Richard Zenith (Assírio e Alvim, 1998) e a de Jerónimo Pizarro (INCM, 2010; Tinta-da-china, 2013).

Assim, nos primeiros 40 anos da publicação do Livro do Desassossego (1982-2022), queremos homenagear esta obra ímpar da literatura portuguesa e mundial, através de dez frases deste diário íntimo, psicológico, metafísico e poético. Dez frases que, como acontece frequentemente em Pessoa, suscitam reflexões profundas sobre temas de sabedoria universal.

Fabrizio Boscaglia

«A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente.»

«A vida está cheia de paradoxos como as rosas de espinhos.»

«Nunca tive outra preocupação verdadeira senão a minha vida interior.»

«Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas.»

«Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.»

«Sem fé, não temos esperança, e sem esperança não temos propriamente vida.»

«Deus é a alma de tudo.»

«Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Há dias que são filosofias, que nos insinuam interpretações da vida, que são notas marginais, cheias de grande crítica, no livro do nosso destino universal.»

«As crianças são muito literárias porque dizem como sentem e não como deve sentir quem sente segundo outra pessoa.»


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