O mês de junho, em Portugal, carateriza-se pelas Festas dos Santos Populares. O país enche-se de arraiais e eventos festivos, sobretudo nas noites de Santo António, São João e São Pedro. São noites de comida, bebida, música e diversão pelas ruas dos bairros mais populares, decorados com arcos, balões coloridos e manjericos. Trata-se das noites que antecedem os três dias que, na tradição católica, são dedicados a estes três santos, respetivamente Santo António (13 de junho, sendo célebres as celebrações em Lisboa), São João (24 de junho, no Porto) e São Pedro (29 de junho, por exemplo, em Évora e Sintra).

Fernando Pessoa nasceu num destes dias festivos, nomeadamente em 13 de junho de 1888. Nasceu em Lisboa no dia de Santo António de Lisboa, padre e teólogo católico e franciscano, por sua vez nascido em Lisboa em 15 de agosto de 1195 e falecido em Pádua (Itália) a 13 de junho de 1231. A data do seu falecimento determina a festividade a ele associada. Santo Padroeiro da cidade de Lisboa, o seu nome de batismo era Fernando, e o apelido, provavelmente, de Bulhões. Não é por acaso que Pessoa foi batizado enquanto Fernando António Nogueira Pessoa, em homenagem ao Santo do dia em que o poeta tinha nascido.
Durante a sua vida adulta, Pessoa não foi católico, aliás, considerava-se um «cristão gnóstico» e procurou indagar o mistério do Divino através de uma busca espiritual muito pessoal, independente das instituições religiosas, que se desenrolou entre leituras sobre esoterismo e filosofia, poemas quase místicos, astrologia, ocultismo e muita imaginação.
Tal não lhe impediu, de tão criativo que o poeta era, de escrever versos sobre os Santos Populares. Note-se, a este respeito, que estes poemas foram várias vezes reeditados em antologias dedicadas a este tema: em 1986, no livro Santo António, São João e São Pedro, editado por António Braz de Oliveira e introduzido por Alfredo Margarido (ed. A Regra do Jogo); em 1994, a editora Salamandra e a Casa Fernando Pessoa publicaram o livro Os Santos Populares, com ilustrações de Ilustrações de Almada Negreiros e Eduardo Viana e a colaboração de Yvette Centeno.

Em 2018, o investigador pessoano José Barreto, reeditou e publicou na revista Pessoa Plural os três poemas dedicados por Pessoa a S. António, S. João e S. Pedro, escritos na noite de 9 de junho de 1935. José Barreto defende que, com estes três poemas, que ficaram inéditos à morte do poeta, «Fernando Pessoa pretendia contestar a apropriação dos tradicionais festejos populares para os fins religiosos e políticos da Igreja católica e do seu aliado, o Estado Novo de Salazar». O próprio investigador afirma, no jornal Observador, conforme refere Rita Cipriano: «Não sabemos que contacto direto Pessoa terá tido, se teve algum, com o ambiente festivo que nesses dias e noites atraiu grandes multidões às ruas do centro da cidade», contudo «estava descontente com o ascendente ideológico e cultural que a Igreja Católica, apoiada pelo governo, estava visivelmente a conquistar na vida nacional». Terá então escrito estes poemas com base neste descontentamento, e com cunho fortemente crítico.
Aqui citamos alguns versos dos três poemas, a partir das versões que se encontram no site arquivopessoa.com (com ortografia atualizada).
Boa leitura e boas festas!
Fabrizio Boscaglia

(Foto de Fiore Silvestro Barbato)
Santo António
Nasci exatamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir…
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.
[…]
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(Foto: Visit Portugal)
São João
Ó Precursor, fizeste-la bonita!
Não que teu Cristo, incarnação do Bem —
Não seja quem seja o teu Divino Anunciado.
O mal são os que após, sem mística divina
Nem ternura cristã, ou só humana,
Meteram a Jesus na cela da doutrina
Com as algemas do ódio manietado
Para depois manchar de falsa fé
O pobre homem que todo homem é
[…]
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«S. António», «S. João» e «S. Pedro» de Fernando Pessoa. (Biblioteca Nacional de Portugal/Espólio 3, 63-17r; publicado por José Barreto em Pessoa Plural, 2018).
São Pedro
[…]
Nas ruas
O povo anda com alegria,
É fé,
Não em ti nem nas barbas tuas
Mas no que a alegria é.
[…]
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